sexta-feira, 20 de julho de 2012

Facebook, “Curtir” e uma lógica da crítica

Entendo que a maioria das pessoas que lerá este texto já usou o Facebook. Mesmo assim, me parece útil rever qual é uma das pedras fundamentais sobre a qual todo aquele sistema funciona: o botão “Curtir” (em inglês “Like”). Sempre que um usuário acessa qualquer informação no sistema (comentário, link, foto, vídeo, etc.) lhe é dada a possibilidade de “gostar” do que vê com apenas um clique. Uma aparição do botão "Curtir" ao lado do "Comentar" em parte de uma captura de tela do Facebook Por que essa funcionalidade é fundamental? O sistema ‘entende’ — ou melhor, processa, computa — os “gostares” das pessoas e quanto mais pessoas gostam de determinada coisa, mais essa coisa é promovida, mais ela é re-distribuída, mostrada aos outros usuários, disseminada (e, não raro, mais ela é ‘gostada’ pelos outros usuários, ganhando ainda mais força e distribuição). É uma cadeia simples de popularidade, que não por isso deixa de manter os usuários interessados no site e dispostos a exibirem seus gostos uns aos outros. É claro que o sistema do site também pode computar a quantidade de comentários atrelados a cada informação, mas certamente não compreende ou avalia o conteúdo de cada comentário, o que só nos pode levar a crer que um “gostar” ou um comentário servem, quando muito, igualmente para avaliar quantitativamente uma informação e promovê-la na cadeia de re-distribuição. Numa entrevista concedida à Brian Dillon, publicada na revista Frieze, Boris Groys explica que “o código da crítica contemporânea não é mais ou menos” e sim “é um código digital: zero ou um, mencionar ou não mencionar”, o que configura o que Dillon chama de “política da menção”. Groys explica que não se reage mais ao conteúdo de uma crítica, mas sim ao “quê” ou “quem” ela menciona; ou seja, uma crítica negativa não tem valor como tal, já que é entendida como crítica positiva sobre quem quer que ela mencione (pelo simples fato de fazê-lo). Já há algum tempo existe um “movimento” dentro do Facebook organizado por usuários que acham o “Curtir” insuficiente, o que eles exigem: o “Não curtir”. À luz do comentário de Groys, torna-se claro o despropósito de uma funcionalidade como essa. Analisá-la com cuidado provê um fantástico exemplo da “política da menção” e a sua importância na configuração dos modos de crítica hoje. Imaginemos um exemplo: um usuário compartilha informações sobre uma determinada “tragédia” (ignoremos que ele já internalizou a abordagem midiática do evento). Hoje, os outros usuários tem a opção de ‘curtir’ isso. Mas o que não está claro pelas regras do sistema — e certamente causa grande desconforto nos ativistas a favor do “Não curtir” — é se clicar no “Curtir” poderá significar dizer que esse outro usuário gostou da catástrofe em si. Ou se significará que ele gostou que a informação foi compartilhada. Ou ainda se simplesmente significará que ele gostou de ver aquilo ali. Ou se ele gostou… enfim, não ficará claro exatamente o quê ele “curtiu”. No mesmo exemplo, supondo que existisse o botão “Não curtir”, facilmente chegaríamos aos mesmos problemas. Mais ainda, poderíamos considerar como o sistema do Facebook poderia lidar com uma análise quantitativa dos “Não curtir”: ele deveria restringir a promoção daquela informação? Ou deveria promovê-la como faz com aquelas que as pessoas “Curtam”? Ou qual outra possibilidade teria? É curioso que para os casos onde um “Não curtir” parece fazer sentido, ele deixa de fazer sentido exatamente por gerar popularidade (e talvez fazê-lo ‘indevidamente’). Mais um complicador é que não podemos ignorar que também gosta-se daquilo que não se gosta. O tema do exemplo anterior não foi escolhido por acaso. As “tragédias” midiáticas também exemplificam a lógica do “gostar” que opera — certamente (e para o conforto geral) de modo não-explícito — fora do Facebook: afinal, qual dono de jornal, revista ou qualquer meio de comunicação que não sabe que nada melhor que uma enchente, terremoto ou polêmica para ganhar mais dinheiro? Já houve tempo em que a lógica da crítica negativa operava para levar à superação do objeto sendo criticado. Negava-se algo — geralmente em favor de alguma outra coisa — para que, por exemplo, o evento criticado não voltasse a ocorrer. Mas numa crítica negativa o que se nega é aquilo sobre o que se fala, isto é, o que se nega é o que aparece. Ora, se a recepção for regida pela popularidade isso não leva à superação, mas contraditoriamente à afirmação do que se critica (do que se menciona). Sob o mando da popularidade rapidamente se percebe que a fama é popular sinônimo de glória, visibilidade, reconhecimento, poder, sobrevivência e, claro, (em resumo?) dinheiro. Assim, a política da menção é uma radicalização da regência da popularidade, uma internalização de sua consciência perversa: tendo como dado que sobre as coisas populares não existe reflexão e sim absorção, só se pode entender que a única forma efetiva de crítica negativa, de superação frente à possível falta de opções, é relegar sumariamente o que se criticaria negativamente ao esquecimento (simplesmente não mencionar), evitando assim o seu (re)conhecimento. Em última análise, no entendimento binário, o próprio “não gostar” já é “1″ bem como “gostar”; a única possibilidade de “0″ é não expressar nenhuma opinião a respeito, não clicar em nada. O que por um lado pode ser bastante limitante, especialmente dentro das opções dadas por sistemas como o do Facebook onde percebemos com facilidade o imenso vazio especulativo no qual somos jogados, levados a operar dentro de estratagemas classificatórios de máquinas absolutamente superficiais programadas para copiar o modo como nós mesmos operamos. Mas por outro lado é o que nos permite entender claramente que “gostar” não é — e talvez nunca tenha sido — um critério crítico suficiente. Esclarece que talvez devêssemos nos preocupar menos com se alguém gosta de algo e começar nos preocupando mais em entender e saber porque alguém gosta (ou não!) de algo.

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